MILAGRES
Chanuquiá de prata
Edição 66 - dezembro de 2009
"E a Ti agradecemos pelos milagres e
pela redenção, pelos atos poderosos
e pelos atos de salvação, pelo consoloe pelas
maravilhas que operaste em prol
de nossos antepassados, naqueles dias, nesta
época...". (das berachot de chanucá)
Esta é a história de um milagre; a história
de uma menorá de prata, de oito braços - uma chanuquiá, que foi guardada, por
mais de 200 anos, e foi repassada de geração em geração, até chegar aos nossos
dias.
Essa chanuquiá era um verdadeiro tesouro de
família. Confeccionada a mão por um grande artesão, havia sido encomendada por
um homem muito rico, que a queria dar de presente à sua filha por ocasião de
seu casamento com o filho de um grande rabino. Praticamente dois adolescentes,
a noiva com 14 anos e o noivo com 17, o casal recebeu inúmeros presentes, mas o
que mais lhes tocou foi a chanuquiá e um par de candelabros de prata para as
velas de Shabat ofertados por seguidores do pai do noivo, um conceituado
rabino.
Aqueles candelabros permaneceram com a noiva
até seus últimos dias de vida e a chanuquiá trouxe luz e felicidade ao seu lar,
durante oito noites de inverno, ano após ano, até o dia em que o filho mais
velho do casal, prestes a se tornar rabino, casou-se com a filha de outro
rabino. No dia do casamento, a chanuquiá, lustrada até brilhar como a própria
sabedoria, estava de pé sobre a mesa, coberta de presentes para os noivos.
Assim a chanuquiá foi passando de pai para
filho, de geração em geração, le'dor va'dor. Por 200 anos iluminou diferentes
lares, ouvindo as bênçãos de Chanucá pronunciadas por diferentes vozes. Não
foram poucas as vezes em que quase se perdeu. Certa vez, durante um pogrom,
enquanto o populacho saqueava e agredia os judeus, foi salva por seu dono, que
a colocou no fundo de um saco e, depois, baixou-a por uma corda até o fundo de
um poço d'água. Em outra ocasião, foi resgatada do lado do corpo de um ladrão
inconsciente, que fora atingido na cabeça com um bastão, por um vigia, enquanto
fugia com um saco carregado de peças roubadas. No incidente, a bela chanuquiá
ficou com um amassado em sua base.
Le'dor va'dor
De geração em geração, a bela peça seguiu seu
percurso através dos anos. Em 1941, as tropas nazistas conquistavam a Europa,
cidade após cidade, semeando violência e morte em seu caminho. Avram, o filho
mais velho de Moshé, o rabino do shtetl que se espalhava sobre metade da cidade
de Narodny, decidiu esconder a chanuquiá de prata que, há séculos, acompanhava
sua família. Cavou um buraco bem profundo na base de uma árvore antiga e
frondosa, no quintal de casa, e lá a enterrou cuidadosamente, muito bem
embrulhada em um lençol de linho.
Enquanto ia ao encontro de sua família para
contar o que acabara de fazer, deparou-se com seu pai, sua mãe e vários
vizinhos enfileirados do outro lado da floresta. Assistiu quando foram
impiedosamente fuzilados pelos nazistas. Viu também seus irmãos, Micha e
Rachel, e várias outras crianças sendo levados pelos nazistas em um caminhão.
Sozinho e apavorado, Avram fugiu em direção à
floresta, onde passou a viver. Tornou-se um guerrilheiro refugiado, um
verdadeiro fantasma de um mundo que estava sendo destruído. Avram lutava,
corria e se escondia. Passou fome, frio, foi ferido, mas não desistiu.
Atravessou florestas e rios, montanhas e fronteiras. Não parava nunca. Quando
pensava estar em segurança, percebia não estar a salvo. Ele foi traído várias
vezes, e, várias vezes, por um triz, conseguiu escapar da morte. Foi capturado,
mas conseguiu fugir. Vivia fugindo.
A guerra na Europa acabou, mas Avram
continuou sua jornada. Conseguiu entrar no tumultuado território que pouco
tempo mais tarde tornar-se-ia o Estado de Israel. E, de novo ele lutou. E
novamente foi ferido. Desta vez o ferimento foi sério e ele teve que ficar
durante meses longe das batalhas, preso a um leito de hospital.
Quando se recuperou, decidiu seguir viagem,
mais uma vez. Dessa vez, para a América. Lá decidiu ficar, e lá conheceu uma
mulher que havia visto os mesmos horrores que ele. Uma mulher cujo coração
conhecia a mesma dor que o seu coração. Decidiu casar-se com ela, mas, antes do
casamento, Avram viajou à Europa. Queria dar à sua noiva um presente especial,
algo único no mundo. Tomou um avião, um trem e, finalmente, um ônibus, para
chegar ao lugar onde nascera. Narodny ainda estava lá no mesmo lugar, mas seu
nome mudara. O shtetl não estava mais lá; mas, por que estaria, se já não havia
judeus, perguntou-se?
As pessoas que moravam na casa, que um dia
fora sua, olharam-no, com desconfiança, quando ele foi até o jardim.
Aproximou-se de uma determinada árvore e começou a cavar. Não tentaram
dissuadi-lo porque levava em suas mãos uma carta das autoridades e eles temiam
as autoridades. E, além disso, ficaram felizes em ver que ele não pedira
nenhuma explicação de como essa casa, que uma vez lhe pertencera, ficara com
eles. Avram estirou-se no chão e pôs-se a cavar, com determinação, como quem
sabe o que procura, atirando para fora a terra, com as mãos. Quando se pôs de
pé, novamente, trazia nas mãos o "seu" tesouro. A prata estava
escura, mas, para ele, aquilo brilhava como nunca. Ele agarrava o candelabro
contra o peito, dizendo em hebraico, aos prantos: "Bendito és Tu, Rei do
Universo, Te agradecemos por nos teres trazido até hoje com vida".
Os camponeses poloneses o observavam. Apesar
de não entenderem suas palavras, de alguma forma compreenderam o que havia
acontecido e murmuraram: "Louvado seja D'us".
A noiva de Avram chorou quando viu o presente
que ele lhe deu ao voltar aos Estados Unidos. Ele já lhe tinha contado a
história da chanuquiá e ela prontamente entendeu que aquele gesto significava
que a família que ambos haviam perdido no longo pesadelo nazista estaria
representada em seu casamento.
Mas a história não acabou aí. De certa forma,
aquilo foi um recomeço, em uma nova terra. Avram e sua esposa tiveram filhos.
Seus filhos se tornaram jovens adultos. Quando sua filha mais velha estava
prestes a se casar, a resplandescente chanuquiá voltou a reluzir em meio aos
belos presentes. Depois da cerimônia na sinagoga, antes de ser servido o jantar
do casamento, uma senhora já entrada nos anos se aproximou da mesa de
presentes. Era vizinha e uma grande amiga da mãe do noivo. À medida que foi-se
aproximando, seus olhos vidrados na bela peça de prata, seus passos foram
diminuindo.
Ao se aproximar da mesa, levantou o braço
onde estava tatuado, em azul, um número e colocou um dedo na saliência da base
da chanuquiá. Desatou a chorar e caiu no chão, desmaiada.
O pai da noiva viu-a cair e correu para
ajudá-la. Ele estava debruçado sobre ela quando ela reabriu os olhos. Ela o
fitou e, num sussurro, como se estivesse com medo de sua própria voz, disse:
"Avram"...
Ele era chamado nos Estados Unidos de
"Abe" e ninguém o chamava de Avram há anos. Olhou para aquela senhora
que o chamava pelo seu verdadeiro nome e confirmou com a cabeça, num transe. A
voz sussurrou de novo. "Avram, sou eu, Rachel, sua irmã". Os dois se
abraçaram, chorando. Os noivos choraram e todos os convidados também. Até os
anjos no céu choraram. A vida dos recém-casados foi iniciada num mar de
lágrimas de felicidade. Sua jornada se iniciou sob o clarão iluminado - por
muitos e muitos anos por vir - pelas luzes da bela chanuquiá de prata.
Tradução e adaptação livre do artigo de
Martin A. David, na edição de dezembro de 2000 do Jewish Magazine
0 comentários:
Postar um comentário